(Reportagem de 2017 – Maria Stela faleceu em 2019)
“Santa Tereza é maravilhosa. Sou doida por Santa Tereza e também pela Floresta. Só fico triste quando chego no alpendre e vejo a Serra tomada de casas e os prédios, tampando a maior parte dela. Antes, era uma linda paisagem”. Assim, dona Maris Stela Vieira Trópia, que este ano entra na casa dos 90, volta no tempo e revela fatos curiosos sobre a história de Santa Tereza.
Nascida em Rio Casca, Zona da Mata mineira, ela não sabe ao certo quando veio para a capital com a mãe, Ana Vieira de Carvalho, e seis irmãos, após a morte do pai, Sertório de Carvalho. “Nos hospedamos na casa de meu tio, um sobrado, que embaixo tinha a Farmácia do Dimas”. O sobrado resiste em frente ao Pedro Padeiro. “Metade do terraço era varal pra roupas e na outra eu fazia minhas artezinhas, jogando pedrinhas em quem passava em lá embaixo, na Rua Mármore com Ângelo Rabelo. Não machucava ninguém, era só assustar as pessoas”, essa é uma das primeiras lembranças da moradora Mari’Stela Trópia, sobre sua vivência em Santa Tereza.
“Morei nas Ruas Azurita, 61, Capitão Procópio, 34 e por fim vim na Epidoto, onde o construtor, Miguel Guimarães, fez várias casas parecidas, pra venda. Daqui não mais saí porque quando casei compramos a casa em frente à da mamãe” conta ela.
Liberdade as moças não conheciam nas décadas de 40/50, época de sua juventude. Ela conta que “não podia sair, namorar ou trabalhar. Ir ao cinema, só acompanhada. Os flertes eram nas barraquinhas da igreja, principalmente, a de Nossa Senhora das Dores, na Floresta, onde tinha muita paquerinha boba. Aí comecei o namoro com o meu marido, Waldemar. Minha mãe controlava a gente, não tive liberdade. Filha era pra ficar dentro de casa. Minha vida de jovem foi assim”.
“Tinha também o footing na pracinha de Santa Tereza, que não era como ela é hoje. Ia ao cinema no Cine Santa Tereza e no Odeon na Floresta. Lembro de um show do Vicente Celestino (ela cantarola a canção O Ébrio, gravada pelo cantor) no Cine Santa Tereza, mas não fui, minha mãe não deixou. Deus do Céu, prendiam a gente muito. Minha mãe vigiava demais”, reclama.
Trabalhar? Nem pensar. Segundo ela, “meu irmão Nilson era militar. E me proibia de trabalhar fora. Eu fazia crochê e renda turca, luvas, forrinhos de mesa e vendia bastante. De tanto tecer acabei ficando a vista ruim e não teço mais”.
“O namoro era no alpendre de casa. Mamãe fazia cafezinho colocava as xicrinhas na mesa da sala e ficávamos lá até às 22h. Ela vigiava, mas dava pra fazer uns carinhos”, conta dando risadas.
“O Waldemar trabalhava no comércio de terno o dia inteiro no Novo Camiseiro, ao lado do Hotel Financial e da Loja de sapato Balalaica. Quando vinha me ver, vestia camisa de manga curta e calça comum. Meu irmão Nilson implicava, pois o comum era o homem usar terno nessas ocasiões .
O casamento, em fevereiro de 1952, foi na Igreja da Floresta e não no porão da Igreja de Santa Tereza devido à II Guerra Mundial. “Meu irmão, Nilson, foi lutar na Itália, em 1942. Era um tal de fazer novena e promessas pra ele volta” Uma das promessas, feita por mamãe, foi que a primeira filha a casar seria na igreja de Nossa Senhora das Dores. Meu irmão voltou da guerra e por isso, não casei em Santa Tereza. Ela fez a promessa e no fim fui eu que paguei” fala rindo da própria história.
A festa foi na casa recém-comprada pelo casal, em frente à da mãe, onde ela reside até hoje. “Era sala, dois quartos, cozinha e banheiro, que depois aumentamos. Havia uma mesa cheia de doces e churrasco no quintal”, relembra.
A lua de mel foi no Rio de Janeiro. “Fomos no trem Vera Cruz, que era chique, confortável. Tinha cabines de casal e de solteiro, tudo arrumadinho. Depois quando as crianças nasceram a gente também ia pro Rio, de Vera Cruz, porque meu marido gostava de viajar”, relembra saudosa.
Vieram os três filhos, Luis Fernando, produtor cultural, José Carlos, padre da igreja de São Pedro, e Simone, professora aposentada do Colégio Tiradentes.
Ela relembra entre risadas que “a casa era barulhenta com as crianças. Acredita que o José Carlos, antes de decidir a ser padre, cantava no programa Roda Gigante da TV Itacolomi, no Álvaro Alvim Show? E o Luis Fernando tinha um conjunto, “Os Paladinos”. Eles ensaiavam aqui que em casa para depois tocar nos bailes. Era uma barulhada só, mas tive paciência de ouvir aquela bateria. E os vizinhos também”, relembra achando graça.
Segundo Maris Stela, “as compras eram feitas na feira livre em frente à Praça Duque de Caxias e no Armazém Fuad, na Hermílo Alves com Mármore. Lá a gente encontrava de tudo. Eu deixava a lista de compra e eles traziam em casa”.
Para ir ao centro, ela conta que pegava o bonde em frente à igreja pra descer na estação, na Afonso Pena. Depois veio o troleibus, silencioso. O bonde saia da Rua Dores do Indaiá, passava no Mármore, Hermilo Alves, Aquiles Lobo, Itambé, descia o Viaduto Santa Tereza e ia pra estação do bonde.
Na igreja, ela relembra, entrava-se pela Rua Eurita. “As celebrações eram no porão até terminar a construção. Quando minha mãe morreu, em 1952, ela foi velada em casa, e o corpo, levado em procissão, encomendado no porão da igreja. Pra terminar a construção os padres Crúzios faziam as barraquinhas para levantar o dinheiro”.
Naquela época já havia moradores de rua. “Seu Joaquim era um mendigo, conhecido de todos. Quando mamãe morreu, a casa ficou fechada. Ele deixou a rua e passou a morar no alpendre. A gente não se importou. Eu até dava café pra ele. Mas quando vendemos a casa para família Pimenta, o Joaquim teve de cascar fora e não soube mais dele”.
“O bairro cresceu e melhorou muito, especialmente o comércio. Piorou a segurança. Antigamente era muito seguro, tinha os guardas, que andavam a pé e se comunicavam por apitos. Ficavam nas esquinas, mas naquela época também havia menos problemas”.
Ela dá por terminada a conversa, para um cafezinho e diz “o que eu sei é que amo Santa Tereza demais”!